Motorista de APP (Uber, 99 e Cabify) e a Contribuição Previdenciária “obrigatória”

Motorista de APP (Uber, 99 e Cabify) e a Contribuição Previdenciária “obrigatória”

Quantas vezes já utilizou o celular para chamar um motorista por um dos famosos aplicativos: Uber, 99 e Cabify? Provavelmente muitas vezes. E já conversou sobre previdência com motorista? Eu já! E por constatar enorme desconhecimento sobre as regras aplicáveis quero expor ao leitor a situação previdenciária desses motoristas de aplicativos.

De bom tom explicar as aspas constantes do título, pois para aqueles não versados na área jurídica esclareço que contribuição previdenciária para os que exercem atividade remunerada é “tributo” que, por sua vez, de acordo com o art. 3º do CTN (Código Tributário Nacional), é toda prestação pecuniária “compulsória”.

Assim, fica evidente a redundância, se trata de tributo, e tributo é prestação compulsória, obviamente a contribuição previdenciária é “obrigatória”, mas a despeito disso há muitos motoristas de aplicativos (Uber, 99 e Cabify) que desconhecem essa obrigação tributária, gerando sua inércia tributária duas consequências:

a) serão autuados pelo fisco previdenciário diante do singelo cruzamento de dados constantes do imposto de renda (renda recebida do aplicativo x ausência de recolhimento de contribuições previdenciárias);
b) aqueles que não efetivam o recolhimento das contribuições previdenciária deixam de ser previdentes, ficando por corolário lógico desprotegidos nos momentos de aflição social (doença, invalidez, idade avançada, maternidade, morte, etc).

A atividade dos motoristas de aplicativos possui previsão legal na Lei das Diretrizes da Política Nacional de Mobilidade Urbana (Lei nº 12.587, de 2012), que a classifica como serviço remunerado de transporte de passageiros, não aberto ao público, para a realização de viagens individualizadas ou compartilhadas solicitadas exclusivamente por usuários previamente cadastrados em aplicativos ou outras plataformas de comunicação em rede (inciso X do art. 4º da Lei 12.587).

A lei que trata do custeio do Seguro Social é a Lei 8.212, de 1991, que traz o rol das pessoas físicas que são obrigatoriamente filiadas ao Regime Geral de Previdência Social (RGPS), devendo, por conseguinte, pagar contribuição previdenciária na qualidade de segurado e por tal razão são protegidas na forma da lei de benefícios previdenciários, que é a Lei 8.213, de 1991, com prestações previdenciárias definidas no art. 18, das quais se destacam as de aposentadoria e, no caso de óbito do segurado, a de pensão por morte.

Dentre os segurados obrigatórios há os denominados contribuintes individuais (CI), que podem ser definidos como prestadores de serviço por conta própria, os conhecidos: “autônomos”. Bem verdade que a Lei 8.212 também inclui nessa categoria de CI pessoas que não exercem atividade remunerada, como o membro de confissão religiosa. Sim! O padre, a madre, a freira, o bispo e o pastor são segurados obrigatórios, devem pagar contribuição previdenciária mensalmente, mas isso é assunto para outro artigo!

O Decreto Federal 3.048, de 1999, no §15 do art. 9º, enquadra como CI a pessoa física que exerça atividade profissional, sem vínculo empregatício, de condutor autônomo de veículo rodoviário quando proprietário, coproprietário ou promitente comprador de um só veículo.

No começo deste ano, a Instrução Normativa (IN) da Receita Federal do Brasil (RFB) nº 1867, de 25 de janeiro de 2019 (alterando a IN da RFB nº 971, de 2009), explicitou que “Deve contribuir obrigatoriamente” na qualidade de contribuinte individual: Os condutores de veículos de transporte privado individual de passageiros que disponibilizam o serviço por meio de aplicativos ou outras plataformas de comunicação.

Recentemente, houve a publicação do Decreto Federal nº 9.792, de 14 de maio de 2019, que dispôs sobre a exigência de inscrição do motorista de transporte remunerado privado individual de passageiros como CI no RGPS, atribuindo a fiscalização dessa inscrição aos Municípios (e ao Distrito Federal).

A inscrição como segurado CI deve ser feita diretamente pelo motorista de transporte remunerado privado individual de passageiros, preferencialmente pelos canais eletrônicos de atendimento do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), quais sejam: telefone 135 ou pela internet: www.inss.gov.br, em “inscreva-se”.

Determina, ainda, que o motorista de transporte remunerado privado individual de passageiros recolherá sua contribuição ao RGPS por iniciativa própria, até o dia quinze do mês seguinte ao da competência (em conformidade com o inciso II do caput do art. 30 da Lei nº 8.212, de 1991).

A contribuição mensal deve ser efetivada com base em uma das alíquotas previstas no art. 21 da Lei 8.212, que traz 3 (três) opções, sendo a primeira delas a inserida no caput do artigo, que assim preceitua: “A alíquota de contribuição dos segurados contribuinte individual e facultativo será de vinte por cento sobre o respectivo salário-de-contribuição”.

Antecipo, em especial para os que estudam para concurso público, que o grande diferencial dessa contribuição do caput do art. 21 da Lei 8212 está na “base de cálculo” que deve seguir o mandamento contido no §11 do art. 28 da Lei 8212 (parágrafo incluído pela Lei 13.202, de 2015).

A alíquota da contribuição previdenciária do motorista de aplicativo que presta serviço a pessoas físicas poderá ser (opção 1) de 20% (art. 21, caput, Lei 8212), com esta alíquota o CI terá direito de obter (I) aposentadoria: por tempo de contribuição, por idade e por invalidez; (II) auxílio-doença; (III) salário-maternidade, e garantirá aos seu dependentes direito à pensão por morte, caso venha a falecer, e ao auxílio-reclusão, caso seja enquadrado como trabalhador de baixa renda e venha a ser preso (sobre carência vide MP 871, de 2019).

O salário de contribuição (base de cálculo do tributo) é, por regra, o valor total da remuneração, salvo se a remuneração superar o limite máximo contributivo, ou, estiver aquém de 1 salário mínimo.

Menor salário de contribuição

(salário-mínimo)

Maior salário de  contribuição

                      (limite teto)

R$ 998,00 R$ 5.839,45

Como advertido, a base de cálculo do motorista autônomo é encontrada de maneira diferente da apuração aplicável aos demais contribuintes individuais!
Considera-se remuneração do contribuinte individual que trabalha como condutor autônomo de veículo serviço prestado por meio de aplicativos (inclusive o taxista), conforme estabelecido no § 11 do art. 28 da Lei 8.212, corresponde a 20% (vinte por cento) do valor bruto auferido pelo transporte, observado o limite máximo de R$ 5.839,45) não se admitindo a dedução de qualquer valor relativo aos dispêndios com combustível, pedágio, ou manutenção do veículo.
Importante não confundir alíquota com a base de cálculo!

Contribuição Previdenciária motorista de aplicativo

Alíquota (%)

Base de cálculo

20%

(art. 21, caput, da Lei 8212)

20% do valor bruto auferido pelo transporte

(art. 28, §11, da Lei 8212)

Bem se observa que a remuneração não é o montante total recebido dos passageiros, pois a Lei n. 13.202, de 2015, corretamente considera que boa parte dos valores recebidos por esses profissionais destina-se a satisfazer despesas com a manutenção do veículo automotor utilizado para prestação de serviços, tais quais: combustível, pedágio, além das inúmeras peças de reposição: pastilhas de freio, embreagem, polia da correia sincronizada, carburador, trocas de óleo e de filtros, pneus etc..

Diante desse contexto, a Lei n. 13.202 considera que apenas 20% do valor cobrado corresponde à efetiva remuneração do “prestador de serviço”, tornando-se essa a base de cálculo da contribuição previdenciária.
Este é o momento de apresentar uma questão para que o leitor reflita a respeito:

Caso hipotético: Motorista de Uber recebeu neste mês o valor total de R$ 10.000,00 (dez mil reais) dos passageiros, pessoas físicas, decorrente dos serviços prestados com seu veículo.
Questão: Quanto deverá recolher a título de contribuição previdenciária no dia 15 do mês subsequente ao da prestação do serviço?

Primeiro passo é apurar a base de cálculo do tributo. Se o valor bruto recebido foi de R$ 10.000,00 a remuneração corresponde a R$ 2.000,00 (art. 28, §11, da Lei 8212). Identificada a remuneração, deve-se verificar se está dentro das balizas relativas ao menor e maior valor de salário de contribuição. Chega-se à conclusão de que a remuneração de R$ 2.000,00 está dentro dos parâmetros, uma vez que está acima de 1 salário-mínimo e aquém do limite-teto, portanto esse é o salário de contribuição desse motorista de aplicativo.

Próximo passo é aplicar a alíquota contributiva, de 20% (art. 21, caput, da Lei 8212). A guia de previdência social (GPS) deverá ser preenchida com o valor de R$ 400,00, equivalente a 20% da base de cálculo, lembrando que a essa base de cálculo equivale a 20% do total recebido no mês (que no exemplo, foi a quantia de R$ 10.000,00, portanto dez mil reais é o rendimento bruto e o valor de R$ 2.000,00 é o salário de contribuição, sobre o qual se fará incidir a alíquota de 20%).

Com certeza, após a explicação acima, ficará mais fácil a compreensão do texto contido no art. 55 da IN 971 da RFB:
“Art. 55. Entende-se por salário-de-contribuição:
§ 2º O salário-de-contribuição do condutor autônomo de veículo rodoviário (inclusive o taxista), do auxiliar de condutor autônomo, do operador de trator, máquina de terraplenagem, colheitadeira e assemelhados, sem vínculo empregatício, do motorista que atua no transporte de passageiros por meio de aplicativo de transporte, e do cooperado filiado a cooperativa de transportadores autônomos, corresponde a 20% (vinte por cento) do valor bruto auferido pelo frete, carreto, transporte, conforme estabelece o § 4º do art. 201 do Decreto nº 3.048, de 6 de maio de 1999 – Regulamento da Previdência Social, observado o limite máximo a que se refere o § 2º do art. 54, vedada a dedução de valores gastos com combustível ou manutenção do veículo, ainda que discriminados no documento correspondente.
Anoto, por derradeiro, que existe ainda a possibilidade de o CI optar pelo Plano Simplificado de Previdência, que apresenta alíquotas de 11% ou 5% sempre sobre base de cálculo fixa de 1 salário mínimo.
Atenção, a opção pelas alíquotas reduzidas (de 11% ou 5%) do Plano Simplificado traz consequências! Não permite a obtenção de aposentadoria por tempo de contribuição (art. 21, §2º, da Lei 8212), e nem mesmo poderão referidas contribuições com alíquotas reduzidas migrarem no futuro para regime próprio, caso o CI venha a ser aprovado em concurso público de provimento de cargo efetivo (art. 94, §2º, da Lei 8213).

Motorista de aplicativo – Plano Simplificado de Previdência (*)

alíquota

Base de cálculo

Valor a recolher

11%

R$ 998,00

R$ 109,78

5%

R$ 998,00

R$ 49,90

(*) não dá direito a Aposentadoria por Tempo de Contribuição e Certidão de Tempo de Contribuição

Para contribuir com a alíquota de 11% sobre 1 salário mínimo (R$ 998,00 x 11% = R$ 109,78) deve adotar a codificação 1163 na Guia de Previdência Social (GPS), mantendo a data do recolhimento todo dia 15 do mês. Há ainda a possibilidade de efetivar recolhimentos trimestrais, anotando-se o código 1180 na GPS.

Para valer-se da menor alíquota contributiva existente no RGPS, de apenas 5% sobre 1 salário mínimo (R$ 998,00 x 5% = R$ 49,90), necessário proceder à inscrição como Microempreendedor Individual (MEI) no sítio eletrônico: http://www.portaldoempreendedor.gov.br/, desde que atenda aos requisitos de que trata o art. 18-A da Lei Complementar nº 123, de 2006 (faturar até R$ 81.000,00 por ano e ser optante do simples nacional).
A contribuição do MEI dá-se por intermédio da guia DAS, que é o Documento de Arrecadação do Simples Nacional, com data de vencimento todo dia 20 do mês.

Por fim, sabido que há muitos aposentados do INSS que estão trabalhando como motorista de aplicativo, mas a despeito de já estar jubilado a Lei 8212 estabelece que o exercício de atividade remunerada abrangida pelo RGPS torna o aposentado sujeito às contribuições previdenciárias sem qualquer diferenciação.

Bem…meu UBER chegou! Encerro por aqui! Bons estudos e sucesso!

*Hermes Arrais Alencar é mestre em Direito Previdenciário pela PUC-SP; Procurador Federal atuando na Procuradoria-Regional Federal de SP, órgão integrante da Advocacia-Geral da União (AGU); autor de diversos livros (dentre eles: Cálculo de Benefícios Previdenciários – Teses Revisionais. Da teoria à prática. 10ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2019; e Direito Previdenciário para concursos públicos. 6ed. São Paulo: Saraiva, 2019), além de professor e coordenador da pós-graduação em Direito Previdenciário, Teoria e Prática da Rede LFG.

Conteúdo produzido pela LFG, referência nacional em cursos preparatórios para concursos públicos e Exames da OAB, além de oferecer cursos de pós-graduação jurídica e MBA.

Artigos Relacionados

Navegue por categoria

Blog para leitores da Saraiva Educação

Confira artigos sobre livros, desenvolvimento pessoal e de negócios, temas jurídicos e vários outros.