A população de idosos do Brasil está crescendo. Projeções da Organização das Nações Unidas (ONU) indicam que em 2040 haverá mais idosos no país do que crianças e adolescentes.
O fenômeno traz novos desafios para sociedade e governo, envolvendo cumprimento dos direitos básicos desses cidadãos. Uma das obrigações é o pagamento de pensão alimentícia aos pais na velhice, pelos filhos.
O provimento de alimentos é um dos direitos assegurados por lei ao idoso, segundo estabelece o Estatuto do Idoso, regulamentado pela lei 10.741/2013. A regulamentação destaca que é dever da família dar esse tipo de assistência.
Caso os familiares não tenham condições econômicas de suprir essa necessidade, a responsabilidade caberá ao Poder Público. Ao comentar sobre essa legislação e as demais que dão esse tipo de proteção ao idoso, o advogado e professor da LFG César Peghini observa que envelhecer é um processo natural e que todos estão sujeitos a passar por essa etapa.
Ele contextualiza essa fase lembrando da célebre frase de Charles Chaplin: “a única coisa tão inevitável quanto a morte é a vida”. O advogado destaca que o envelhecimento humano é percebido inicialmente pelas alterações fisiológicas. Num segundo momento, o avanço da idade traz impactos no âmbito social, cultural e econômico.
“Sendo assim, a proteção do idoso deve ser entendida como um bem jurídico tutelado. Ele é merecedor de um tratamento legislativo adequado”, defende ele.
Peghini relata que no Brasil, assim como em outros lugares do mundo, os problemas com o idoso criaram um grande arcabouço legislativo, pois envolvem proteções tanto no âmbito familiar, quanto no comunitário ou estatal.
Leis que dão proteção ao idoso
A proteção ao idoso é garantida por três grandes blocos legislativos. Um deles é a Constituição Federal (CF), que trata do tema em vários dispositivos, como no artigo 229, que diz que é dever dos filhos maiores ajudarem os pais na velhice.
O artigo 230 expressa que a família, a sociedade e o Estado são obrigados a amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar, garantindo a esses cidadãos o direito à vida.
Da disposição constitucional, se fez necessária uma regulamentação legislativa estruturante que atualmente é norteada por outras duas leis especiais.
A primeira, que surgiu para atender as necessidades dos idosos, foi a de n° 8.842, de 4 de janeiro de 1994, estabelecendo a Política Nacional do Idoso, regulamentada pelo Decreto Federal n° 1.948, de 3 de julho de 1996. A segunda foi o Estatuto do Idoso por meio da lei n° 10.741, de 1º de outubro de 2003.
Há ainda proteções pontuais e esparsas na regulamentação brasileira abordando direitos do idoso, entre as quais se destacam a legislação tributária, criminal e civil. Essas leis não afastam o regramento anterior, mas devem ser interpretadas em prol dos idosos.
Idade que caracteriza o idoso
Para efeito das leis, o idoso com direitos garantidos é a pessoa com idade igual ou superior a 60 anos. Porém, o professor Peghini informa que alguns direitos são assegurados somente após os 65 anos.
Entre os exemplos, ele cita a assistência social nos termos do artigo 34 e o transporte gratuito previsto no artigo 39 do Estatuto do Idoso. Pesquisas realizadas tanto no âmbito clínico e antropológico como em outras ciências, revelam que as pessoas estão vivendo mais.
Os avanços da medicina, alimentação e tecnologias estão aumentando o bem-estar das pessoas. Por conta disso, há uma discussão sobre revisão do critério etário atual de proteção do idoso para uma faixa superior. Os argumentos são de que muitas pessoas com 70 ou 80 anos têm muito a oferecer à sociedade.
“O Brasil, ao invés de rever todo o sistema – a nosso ver, que inicialmente parece um retrocesso -, propõe uma alteração em que o octogenário tem preferência a outros idosos em casos como atendimentos, em especial em situações que envolvam saúde e processos judiciais em trâmite (lei n° 13.466/2017)”, diz Peghini.
Obrigação de pagamento da alimentação
O direito do idoso aos alimentos está explícito no artigo 229 da Constituição Federal, que destaca: “os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores”. A contrapartida desses filhos na vida adulta, segundo o artigo é: “o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidades.”
A obrigatoriedade está fundamentada também na codificação Civil, em especial no art. 1696, que dispõe ser a prestação de alimentos um dever recíproco entre pais e filhos. No artigo 1697 está expresso que quando não houver parentes ascendentes, a responsabilidade é dos descendentes, observada a ordem de sucessão.
Na falta destes, o dever é dos irmãos, tanto os germanos quanto os unilaterais. O professor Peghini enfatiza que o pagamento dos alimentos deve ser efetuado ao idoso que realmente precisa do auxílio. Ou seja, é um direito das pessoas que de fato estiverem em condição singular e necessitam da verba para sua subsistência.
“Desta forma, os alimentos não servem como plano de assistência privada ou uma ferramenta espúria de enriquecimento”, frisa.
Responsabilidade igual para todos os filhos
De acordo com o advogado Peghini, a lei não estabelece tratamento diferenciado para membros da família em relação ao pagamento de alimentos ao idoso.
“O objeto nuclear da obrigação alimentar é a mesma. Todavia, não é possível equiparar todas as situações alimentares como idênticas”, esclarece, destacando o artigo 12 do Estatuto do Idoso que diz: “a obrigação alimentar é solidária, podendo o idoso optar entre os prestadores”.
Desta forma, o idoso pode escolher a pessoa da família que pretende pleitear alimentos, sem a necessidade de respeitar a ordem legal. Ou seja, os parentes mais remotos, em regra, são subsidiários aos dos mais próximos, cabendo ainda aos responsáveis a ação de regresso entre eles.
Punições para não cumprimento da obrigação
O não pagamento de alimentos aos pais idosos pode gerar punições. Conforme Peghini, existe a possibilidade de prisão dos filhos que não cumprem essa obrigação. Ele ressalta que a jurisprudência e doutrina têm sido firmes com essa questão.
Quando o filho alega que não tem recursos para pagar a dívida, a justiça vai analisar seus bens para quitação da dívida.
O advogado Peghini observa que há na legislação uma proteção legal do bem de família, que se opera com a teoria do mínimo existencial do professor Luiz Edson Fachin, segundo a qual, o bem é o único imóvel do devedor, por ele utilizado como sua moradia, e que está salvaguardado de penhora por qualquer tipo de dívida, conforme dispõe o art. 1º da lei 8.009/90.
Ocorre que referida lei, segundo Peghini, também tem suas exceções, em especial o art. 3º: “a impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido: (…) III – pelo credor da pensão alimentícia, resguardados os direitos, sobre o bem, do seu coproprietário que, com o devedor, integre união estável ou conjugal, observadas as hipóteses em que ambos responderão pela dívida”.
“Veja que o legislador dispõe ser penhorável o bem de família do devedor, independentemente da origem do mesmo, e sendo assim: é possível afirmar que o filho pode perder o bem no caso do não pagamento dos alimentos”, afirma o professor Peghini.
Filho abandonado pelo pai tem que pagar pensão?
Há questionamentos se o filho que foi abandonado pelo pai quando era pequeno estaria obrigado a pagar os alimentos ao pai na velhice. Na avaliação do advogado Peghini, essa é uma situação que gera tormento e que é até um pouco contraditória.
Ele reafirma que os alimentos devem ser fornecidos a quem necessita. O pagamento teria de ser efetuado independentemente da conduta do idoso, especialmente pelo filho que foi abandonado e que não recebeu pensão alimentícia.
Mas o professor entende que a questão não é tão simples, pois a conduta do idoso no passado pode gerar efeitos no futuro. “Digo isso, com base na melhor doutrina, citando Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka e João Ricardo Brandão Aguirre, segundo os quais é possível afastar o pagamento dos alimentos por força dos art. 1.708 do Código Civil combinado com o art. 1814 que trata do instituto da indignidade”, explica ele.
Para Peghini, pode parecer forçoso interpretar a regra restritiva de direito por extensão, mas entende que sistema legislativo não pode favorecer a conduta do idoso nesse caso.
“A afirmação se dá por conta da ausência de reciprocidade que se exige tanto na Constituição Federal como no Código Civil, bem como nos ensinamentos de Rodolfo Pamplona Filho e Pablo Stolze Gagliano, segundo o qual, a conduta humana indigna não pode ficar atrelada a um rol porque viola claramente os ditames da boa-fé objetiva aplicada ao Direito de Família, conforme muito bem lembra Flávio Tartuce”, afirma Peghini.
Parece ser esse o entendimento que se projeta na jurisprudência nacional. Veja exemplo:
Apelação cível. Ação de alimentos ajuizada pelo ascendente em desfavor de seus filhos. Pedindo amparado no compromisso familiar. Exegene do art. 1.696 do código civil. Improcedência na origem. Ausência de demonstrativo do Binômio necessidade/ Possibilidade. Ônus que completa ao autor da demanda, por força do art. 373, INC. I, do código de processo civil. Inexistência de vínculo afetivo entre os litigantes. Sentença mantida. Recurso conhecido e desprovido.
O pedido alimentar formulado pelo ascendente ao descendente com fundamento no art. 1.696 do CC exige demonstração inconcussa da necessidade alimentar e da capacidade financeira do alimentante de prestar auxílio ao genitor.
Em face do caráter solidário da obrigação alimentar, inacolhe-se pleito formulado por genitor contra filho maior de idade se este não recebeu por ocasião de sua menoridade os cuidados paternos inerentes ao pátrio poder a que tinha direito (Apelação Cível n. 2013.035033-8, de Camboriú, rel. Des. Monteiro Rocha, j. 10-10-2013). (TJ-SC – AC: 20150612454 Criciúma 2015.061245-4, Relator: Stanley Braga, Data de Julgamento: 14/04/2016, Quarta Câmara de Direito Civil)
O exemplo citado por Peghini mostra que o filho que foi abandonado pelo pai na infância não está obrigado a pagar pensão alimentícia a ele na velhice. Segundo ele, nesse caso se verifica nitidamente a ausência de reciprocidade; a conduta indigna do idoso; e, por fim, a violação da boa-fé objetiva aplicada ao Direito de Família.
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