Por Tathiane Piscitelli
O debate sobre o ajuste das contas públicas ocupa parte relevante da pauta tributária do país atualmente. Em 2015, a então presidente Dilma Rousseff adotou medidas focadas no aumento da carga tributária, seja pela revogação de benefícios, seja pelo aumento efetivo de tributos.
Agora, no governo Temer, pretende-se levar adiante o corte de gastos públicos, com foco quase que exclusivo nas despesas com educação e saúde. Seja na ponta da receita, seja na ponta do gasto, ou em ambas, é inconteste a necessidade da adoção de medidas efetivas no sentido da redução do déficit público e retomada do crescimento econômico.
A escolha do caminho, porém, deve considerar não apenas o efeito imediato da providência, mas, especialmente, os reflexos futuros, sob pena de o ganho presente se revelar como uma despesa futura.
Um exemplo dessa situação pode ser visto nas disposições da MP 690/2015, convertida na Lei 13.241/2015. Editada pelo governo Dilma, o objetivo foi revogar o programa de incentivos à inclusão digital, que contemplava a redução à zero das alíquotas do PIS e da COFINS incidentes sobre a receita bruta da venda a varejo de diversos produtos de informática, surpreendendo todo setor industrial e o comércio varejista em um ano de grave crise econômica.
A resposta imediata do setor veio pela propositura de diversas ações judiciais visando à manutenção do benefício, sob o argumento de que benefício fiscal concedido a prazo certo não pode ser revogado.
A evidente inconstitucionalidade da revogação denota a fragilidade de medidas de ajuste fiscal a qualquer custo. A judicialização do tema e o eventual reconhecimento da pertinência do argumento dos contribuintes, trará ainda mais gastos para a administração.
Dentre todas as medidas intentadas em face da lei, destaque-se a Ação Civil Pública proposta pela Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica – ABINEE. Por meio de um pedido de Suspensão de Liminar e de Sentença formulado pela Fazenda Nacional, a ação chegou ao Superior Tribunal de Justiça e o argumento central para a manutenção das alíquotas majoradas situa-se na perda estimada de R$ 12 bilhões para os cofres públicos.
No início do mês de agosto, foi publicada decisão lavrada pela Ministra Laurita Vaz, denegando o pedido da Fazenda Nacional. Para além da discussão processual entabulada, em suas razões de decidir, a Ministra destaca a ausência de risco de grave lesão aos cofres públicos, seja porque o benefício fiscal está vigente há quase dez anos, seja pela dificuldade do real dimensionamento da queda de arrecadação.
Essa dificuldade fica mais evidente neste caso em que a exposição de motivos da MP que revogou o benefício menciona que a permanência das alíquotas zero resultaria em uma perda de, aproximadamente, R$ 26 milhões para o governo federal, ao passo em que a Fazenda alega, em juízo, que a perda seria de R$ 12 bilhões – “apenas” 460 vezes maior.
Os argumentos relativos à queda da arrecadação têm sido recorrentemente apresentados pela Fazenda Nacional como fundamentação de teses tributárias e a situação de crise que enfrentamos apenas agrava esse quadro.
Não se nega que o impacto financeiro de decisões judiciais deve ser ponderado pelos juízes quando de suas decisões, na medida em que as funções do direito tributário extrapolam a proteção ao contribuinte. Trata-se, também, de regular a execução de um conjunto de normas que visam arrecadar receitas para a manutenção do Estado, observadas, naturalmente, as garantias e direitos individuais.
Portanto, levando a sério o argumento relativo ao dano ao Erário, não pode a Fazenda apresentar números sem qualquer embasamento fático e em nítida contradição com a justificativa da norma que propõe a revogação do benefício. Os riscos financeiros às contas públicas, por exigência da Lei de Responsabilidade Fiscal, devem estar claramente previstos no Anexo de Riscos Fiscais, constantes da Lei de Diretrizes Orçamentárias.
Além disso, somada à previsão, tem a União o dever de estabelecer, nesse mesmo anexo, as medidas que serão tomadas na hipótese de o risco efetivamente se concretizar. Ou seja, não se trata de um impacto não refletido no orçamento público, que pegaria a administração de surpresa. Esses pontos devem ser considerados, sob pena de ficarmos limitados à retórica dos números.
Tathiane Piscitelli é professora de direito tributário da LFG, mestre e doutora em direito pela USP. Autora de diversos artigos e capítulos de livros sobre direito tributário e financeiro, incluindo “Argumentando pelas consequências no direito tributário” e “Limites à interpretação das normas tributárias”.
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