Como funciona o julgamento de ex-presidentes no Brasil

Como funciona o julgamento de ex-presidentes no Brasil

 

O Presidente da República no Brasil exerce as funções de Chefe de Governo e de Estado. Ou seja, administra politicamente o país e, além disso, o representa perante nações estrangeiras.

 

Em razão disso, a Constituição da República, que completa trinta anos agora, traz uma série de disposições relativas ao processo e julgamento do Presidente, quando pratica crimes comuns (os previstos no Código Penal e na legislação penal esparsa) ou crimes de responsabilidade – que, na verdade, não são crimes, mas infrações político-administrativas.

 

Segundo o professor da LFG e procurador Regional Eleitoral em São Paulo, Luiz Carlos dos Santos Gonçalves, as disposições constitucionais sobre esse tipo de julgamento tornaram-se conhecidas como “o processo de impeachment”, a partir da matriz norte-americana que as inspirou.

 

“Basicamente, a instauração do processo precisa ser autorizada pela Câmara dos Deputados, que o fará,ou não, por critérios principalmente políticos. Autorizada a abertura do processo, atuará o Senado, se for por crime de responsabilidade e o Supremo Tribunal Federal, se for crime comum”, explica Gonçalves.

 

Assim, a Câmara funciona como juízo de admissibilidade não de processo e julgamento. Sua decisão não vinculará quer o Senado, quer o Supremo, que decidirão livremente sobre a instauração do processo. Se, em qualquer dessas casas, o processo for instaurado, o Presidente será afastado de suas funções pelo período de 180 dias.

 

“O julgamento final do crime de responsabilidade implicará em perda do cargo e inabilitação para o exercício de funções públicas; o julgamento do processo-crime comum pode submeter o Presidente à perda de cargo e ao cumprimento de pena. Enquanto não sobrevier sentença condenatória definitiva, entretanto, o Presidente da República não poderá ser preso. A ele não se aplicam as regras das prisões cautelares”, acrescenta o professor.

 

Há várias questões jurídicas de grande interesse no processo do impeachment e que causaram comoção na sociedade brasileira após a Constituição de 1988, tendo em vista que dois Presidentes da República foram submetidos a estes processos e afastados de seus cargos.

 

Que, nos crimes de responsabilidade, se trata de infrações estritamente políticas, sem contornos de tipicidade penal, por exemplo. Ou que o Senado, embora decretando a perda do cargo do Presidente, possa deixar de aplicar cumulativamente a inabilitação para o exercício de cargos.

 

“Também causa debate a extensão da regra constitucional segundo a qual, durante seu mandato, o Presidente goza de imunidade para atos, ainda que criminosos, não relacionados às suas funções. Embora fique
suspensa a prescrição penal, neste período, parece, a muitos, um benefício exagerado”, complementa Gonçalves.

 

Como o Presidente é condenado

 

Para que haja a condenação do Presidente da República, é necessário que dois terços dos membros que compõem o Senado Federal votem a favor desta condenação. A votação é realizada de forma aberta. Se for condenado, o Presidente recebe sanções como a perda do cargo e a proibição de exercer cargo público por oito anos, conforme o parágrafo único do Art. 52 da CF, a saber:

 

Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal:
I – processar e julgar o Presidente e o Vice-Presidente da República nos crimes de responsabilidade e os Ministros de Estado nos crimes da mesma natureza conexos com aqueles;
I – processar e julgar o Presidente e o Vice-Presidente da República nos crimes de responsabilidade, bem como os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica nos crimes da mesma natureza conexos com aqueles (redação dada pela Emenda Constitucional nº 23, de 02/09/99);
II – processar e julgar os Ministros do Supremo Tribunal Federal, os membros do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público, o Procurador-Geral da República e o Advogado-Geral da União nos crimes de responsabilidade (redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004);
III – aprovar previamente, por voto secreto, após arguição pública, a escolha de:
a) Magistrados, nos casos estabelecidos nesta Constituição;
b) Ministros do Tribunal de Contas da União indicados pelo Presidente da República;
c) Governador de Território;
d) Presidente e diretores do Banco Central;
e) Procurador-Geral da República;
f) titulares de outros cargos que a lei determinar;
IV – aprovar previamente, por voto secreto, após arguição em sessão secreta, a escolha dos chefes de missão diplomática de caráter permanente;
V – autorizar operações externas de natureza financeira, de interesse da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios;
VI – fixar, por proposta do Presidente da República, limites globais para o montante da dívida consolidada da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;
VII – dispor sobre limites globais e condições para as operações de crédito externo e interno da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, de suas autarquias e demais entidades controladas pelo Poder Público federal;
VIII – dispor sobre limites e condições para a concessão de garantia da União em operações de crédito externo e interno;
IX – estabelecer limites globais e condições para o montante da dívida mobiliária dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;
X – suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal;
XI – aprovar, por maioria absoluta e por voto secreto, a exoneração, de ofício, do Procurador-Geral da República antes do término de seu mandato;
XII – elaborar seu regimento interno;
XIII – dispor sobre sua organização, funcionamento, polícia, criação, transformação ou extinção dos cargos, empregos e funções de seus serviços e fixação da respectiva remuneração, observados os parâmetros estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias;
XIII – dispor sobre sua organização, funcionamento, polícia, criação, transformação ou extinção dos cargos, empregos e funções de seus serviços, e a iniciativa de lei para fixação da respectiva remuneração, observados os parâmetros estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias (redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998);
XIV – eleger membros do Conselho da República, nos termos do art. 89, VII;
XV – avaliar periodicamente a funcionalidade do Sistema Tributário Nacional, em sua estrutura e seus componentes, e o desempenho das administrações tributárias da União, dos Estados e do Distrito Federal e dos Municípios (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003).
Parágrafo único. Nos casos previstos nos incisos I e II, funcionará como Presidente o do Supremo Tribunal Federal, limitando-se a condenação, que somente será proferida por dois terços dos votos do Senado Federal, à perda do cargo, com inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública, sem prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis.

 

 

Julgado por crimes comuns

 

Para os crimes comuns, sem que sejam de responsabilidade, primeiramente uma averiguação comparativa avalia se há relação entre o crime e o exercício da presidência do país.

 

Portanto, se o crime comum foi cometido durante o mandato ou em razão dele, o chefe de Estado pode ser incriminado, desde que haja votação prévia da Câmara dos Deputados e essa seja favorável à incriminação por dois terços dos votos.

 

Em contrapartida, se o crime for avaliado como extra às funções presidenciais, o Presidente não responde imediatamente durante toda a vigência e somente após seu término.

 

Entretanto, o chefe de Estado pode sofrer a suspensão provisória do prazo prescricional. Isso significa que ele pode perder, por causa de determinado comportamento, seus direitos.

 

A imunidade do Presidente também garante que ele não seja preso em flagrante, com prisão preventiva ou temporária. Vale lembrar que essa imunidade só é considerada para os casos de infrações penais cometidas antes do mandato ou mesmo durante o período, mas que não tenha relação direta ao cargo que ele ocupa.

 

Resumindo, a prisão de um Presidente da República em exercício tem que ser proferida pelo STF, por meio de uma sentença condenatória. Conforme dita o Art. 86, § 3º da Constituição Federal:

 

Art. 86. Admitida a acusação contra o Presidente da República, por dois terços da Câmara dos Deputados, será ele submetido a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal, nas infrações penais comuns, ou perante o Senado Federal, nos crimes de responsabilidade.
§ 1º O Presidente ficará suspenso de suas funções:
I – nas infrações penais comuns, se recebida a denúncia ou queixa-crime pelo Supremo Tribunal Federal;
II – nos crimes de responsabilidade, após a instauração do processo pelo Senado Federal.
§ 2º Se, decorrido o prazo de cento e oitenta dias, o julgamento não estiver concluído, cessará o afastamento do Presidente, sem prejuízo do regular prosseguimento do processo.
§ 3º Enquanto não sobrevier sentença condenatória, nas infrações comuns, o Presidente da República não estará sujeito a prisão.
§ 4º O Presidente da República, na vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções.

 

É importante atentar que tais regras não valem para governadores e prefeitos, conforme a Ação Direta de Constitucionalidade (ADI) 1028.

 

Quantos Presidentes foram presos no Brasil?

 

Com os recentes acontecimentos sobre a condenação do ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, por crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, o tema sobre a prisão de chefes de Estado ganhou as páginas principais de diversos veículos de comunicação.

 

No entanto, o concurseiro tem que se atentar que a prisão de Lula não é um fato isolado e tampouco inédito. Antes dele, outros cinco ex-Presidentes da República foram presos no país. Confira abaixo quais foram esses chefes de Estado e quais os motivos que levaram às suas prisões:

 

Em 1922, o ex-Presidente e marechal Hermes da Fonseca teve sua prisão decretada pelo Presidente em exercício Epitácio Pessoa. Fonseca, que governou o Brasil durante os anos de 1910 e 1914, presidia à época de sua prisão o Clube Militar.

 

No entanto, foram cartas julgadas como ofensivas ao Exército, assinadas por Artur Bernardes, que levaram a sua condenação. O fato causou a Revolta dos 18 no Forte de Copacabana, comandada pelo filho do marechal, Euclides Hermes da Fonseca.

 

Em 1923 Café Filho fora colocado atrás das grades, por trabalhar como advogado em defesa de pescadores no Rio Grande do Norte e ser preso junto a líderes do movimento. Ele foi Presidente entre os anos de 1954 e 1955.

 

Washington Luís também teve seus dias na cadeia. Presidente entre os anos de 1926 e 1930, foi derrubado na Revolução de 1930 pelo golpe de Getúlio Vargas. Com sua liberdade negociada, Washington Luís ficou no exílio até 1947.

 

No ano de 1932, o ex-Presidente Artur Bernardes, por se juntar ao levante mineiro em apoio aos paulistas na Revolução Constitucionalista de 32, perdeu a revolução, foi preso e exilado. Ele exerceu seu mandato entre os anos de 1922 e 1926.

 

Em 1968, o ex-Presidente Juscelino Kubitschek (Presidente em exercício entre os anos de 1955 e 1961), teve seus direitos políticos cassados em 1964 – ano do Golpe Militar. Com o fortalecimento da ditadura, sob o Ato Inconstitucional nº5, foi preso durante um curto período de tempo.

 

 

 

 

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