Convenções em matéria de direito probatório

Convenções em matéria de direito probatório

 

O CPC de 2015 avançou sobremaneira ao generalizar a possibilidade de convenções das partes sobre o direito processual. Ao não prever um rol taxativo/exaustivo de negócios processuais em espécie, o art. 190 consagrou uma cláusula geral de atipicidade de negociação processual, possibilitando a celebração de incontáveis convenções.

 

O art. 200 é claro ao estabelecer que a eficácia dos negócios processuais é, em regra, imediata, dispensando-se homologação pelo juiz para que a manifestação de vontade comece a produzir efeitos. Celebrado o negócio, opera-se, de imediato, a criação, modificação ou extinção do direito processual, sem necessidade de prévia homologação judicial. Raríssimas são as hipóteses em que a lei exige, sempre de forma clara e expressa, a prévia homologação da convenção (v.g., art. 200, parágrafo único; art. 357, §2º; art. 862, §2º).

 

Para que o negócio processual seja válido, exige-se o atendimento a uma série de requisitos (positivados e não positivados), tais como capacidade das partes, autocomposição do direito deduzido e licitude do objeto, especialmente no que tange aos seus limites subjetivos: deve a convenção referir-se a uma situação processual da parte celebrante do negócio. Em suma, é essencial que o ônus, poder, faculdade ou dever seja da parte, e não de outrem (juiz, auxiliar da justiça, terceiro, etc.).

 

Como a regra geral é a eficácia imediata da convenção, o controle do negócio processual pelo juiz é sempre a posteriori e restrito aos planos da existência e da validade do negócio. O juiz somente pode recusar aplicação à convenção quando constatar, p. ex., inserção abusiva em contrato de adesão ou manifesta situação de vulnerabilidade (art. 190, parágrafo único). Se ausente qualquer defeito nos planos da existência ou validade, o negócio processual — que já nascera eficaz — será também existente e válido, devendo ser fielmente observado pelo Poder Judiciário. 

 

Um dos maiores desafios tem sido identificar, com precisão, os limites subjetivos das convenções atípicas, ou seja, o titular primordial de algumas situações jurídicas processuais, v.g., se partes ou juiz. A quem pertence, por exemplo, o direito probatório? Quem é o titular direto e imediato das provas? Princípios e regras probatórias referem-se ao procedimento, ao julgamento, à valoração?

 

É inviável apresentar, neste curto espaço, todas as correntes doutrinárias já existentes. Não obstante, alguns entendimentos já começam a predominar.

 

Dizem respeito essencialmente à atividade do Estado-juiz (e, assim, não podem ser convencionadas exclusivamente pelas partes), por exemplo, regras sobre: (i) valoração da prova (pesos dos meios e das fontes de provas entre si, convencimento motivado ou comunhão da prova), (ii) condução da audiência de instrução e julgamento (deferimento ou não de pergunta a um depoente, avaliação sobre eventual parcialidade de testemunha, utilização de videoconferência, ou forma de redação da ata), (iii) procedimento estatal relacionado a determinadas provas em espécie (condução coercitiva de testemunha intimada injustificadamente ausente, método de trabalho do perito, ou forma de confecção do laudo), (iv) inspeção judicial (meio de prova pertinente ao juiz), (v) alguns aspectos dos “poderes intrutórios” do juiz, isto é, o seu poder de (in)indeferir provas requeridas e de determinar provas ex officio em caso de não oposição expressa pelas partes, etc.

 

Por outro lado, relacionam-se mais ao interesse das partes (e, por isso, podem ser objeto de negócio processual) determinadas regras de provas, como: (i) testemunhal (forma de intimação da testemunha pelo advogado, numero máximo de depoentes por parte ou fato controvertido, ou ordem da oitiva), (ii) pericial (prazo para impugnação do laudo pericial), (iii) documental (prazo para contraditório sobre a prova, forma de negócio jurídico, força probante de documento, dever de exibição e sanção pelo descumprimento), (iv) depoimento pessoal (requerimento pela própria parte), etc.

 

Também consideramos válidas convenções que tornem obrigatória a admissão de uma prova atípica lícita, que vedem a produção de certa prova em espécie, ou que versem sobre algum aspecto da prova emprestada ou do cabimento/procedimento da produção antecipada de prova.

 

Não podemos esquecer, evidentemente, dos pontuais negócios típicos que o Código expressamente admite, como as convenções das partes sobre o ônus da prova (art. 373, §§3º e 4º) e sobre a pessoa do perito (art. 471), ou, ainda, a respeito de alguns aspectos do saneamento e organização do processo, os quais exigem, excepcionalmente, homologação judicial (art. 357, §2º).

 

A atipicidade dos negócios processuais tem a capacidade de promover o reequilíbrio da relevância da vontade dos sujeitos processuais, alcançando um meio termo (cooperativo) entre publicismo e privatismo. 

 

É salutar que o tema dos negócios processuais não seja enxergado como uma “queda de braço” entre jurisdicionados e Poder Judiciário, ou entre advocacia e magistratura. Não deve gerar um “conflito de classes”, tampouco uma disputa sobre quem tem mais “poder” no processo ou a quem a jurisdição deve servir… Pelo contrário, que tal a comunidade jurídica interpretar as convenções processuais com maior liberdade, preocupando-se primordialmente em solucionar a grave crise da efetividade da jurisdição?

 

Bruno Garcia Redondo é professor da LFG, professor efetivo de Direito na PUC-Rio e UFRJ. Procurador, advogado, Árbitro, Doutorando e Mestre em Direito Processual Civil pela PUC-SP.

 

 

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