Fornecer proteção a pessoas portadoras de TEA (Transtorno do Espectro Autista) já não era suficiente quando a ONU (Organização das Nações Unidas) regulamentou, em 2007, o dia 2 de abril como o Dia Mundial de Conscientização do Autismo.
Afinal, além de proteger, era necessário um dia que representasse também a questão de vulnerabilidade, o direito às ações em sociedade, bem como a importância da inclusão e não discriminação da pessoa com o TEA.
De acordo com Cesar Peghini, professor da LFG e advogado especialista em Direito Civil, no passado, a questão era apenas de assistencialismo. “No entanto, atualmente a questão está mais avançada e, por conta do Estatuto da Pessoa com Deficiência, ganhou relevância para incluir essas pessoas em inserções comunitárias e profissionais, além da sociedade como um todo”, explica.
Desta forma, a lei que atende e trabalha a questão da pessoa portadora de TEA é o Estatuto da Pessoa com Deficiência (lei 13146/2005), um desdobramento de um tratado internacional firmado na cidade de Nova York, nos Estados Unidos, no final de 2007, aprovado como emenda constitucional.
“Esse tratado internacional tem força de constituição no Brasil. Por conta dessa inserção, essa lei trabalha por todas as pessoas com deficiência. É nela que também está assegurado que é dever da família, da comunidade, da sociedade e do Estado proteger a pessoa com deficiência”, complementa o professor.
Proteção aos direitos em todas as esferas
Segundo Peghini, os quatro pilares de responsabilidade (família, comunidade, sociedade e Estado) devem trabalhar para que haja respeito, consideração e direitos das pessoas portadoras de deficiência.
“Se o ambiente familiar falhar, por exemplo, é responsabilidade dos estabelecimentos governamentais auxiliar essa pessoa”, diz o advogado.
Assim, se houver irregularidades dentro de casa ou mesmo em orfanatos, escolas, hospitais – seja exclusão, bullying, discriminação ou agressão, todas as autoridades competentes devem ser acionadas imediatamente, sob pena de sanção.
Para exemplificar, Cesar diz que se alguém identificar que em uma escola, por exemplo, há uma criança com similaridades do espectro autista, a primeira providência da instituição é informar aos familiares desta criança.
“O direito dessa pessoa tem que estar garantido. Infelizmente não há uma fórmula pronta para o caso. Mas o Estatuto assegura que a criança seja assistida em hospitais, escolas, áreas comuns, sem que haja exclusão ou discriminação. Essa pessoa tem que estar incluída.”
A quem recorrer
Diferentemente da síndrome de Down, em que há um diagnóstico preciso, por meio da avaliação dos cromossomos e pode ser avaliado até na fase gestacional da criança, o TEA precisa de uma equipe multidisciplinar para chegar ao veredito. Além disso, cada caso tem que ser avaliado de forma particular e precisa.
O autismo têm diferentes níveis. De acordo com a CID (Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionadas à Saúde), no capítulo V da CID-10, os transtornos mentais e comportamentais relativos ao autismo envolvem o autismo infantil, o autismo atípico, a síndrome de Rett, a síndrome de Asperger, o transtorno desintegrativo da infância e o transtorno geral do desenvolvimento não especificado.
Geralmente, as pessoas que sofrem de TEA têm em comum a desconfiança e insegurança. Quase que na totalidade dos casos, quando há processos de começo, meio e fim, o portador de TEA sente-se melhor.
Assim, com um padrão de rotina estabelecido, consegue conviver de forma mais harmoniosa consigo e com os outros a seu redor. Caso contrário, tem problemas em se relacionar, pois não se sente seguro em relação à reação das outras pessoas referente a seus atos.
O Dia Mundial da Conscientização do Autismo, agrega, nesse aspecto, a importante missão de tornar a vida das pessoas portadoras de TEA mais harmoniosa por meio de iniciativas de inclusão e respeito.
Para ter acesso a essa equipe multidisciplinar, muitas vezes as pessoas recorrem ao SUS (Sistema Único de Saúde). “No entanto, infelizmente nem todas as pessoas conseguem ter o acesso devido a essa equipe, por falta de vagas ou mesmo – referente ao atendimento particular – por condições financeiras. Nesse caso, recorrer à Defensoria Pública e ao Ministério Público é o melhor caminho”, conta o professor.
O Defensor Público é a figura que representa uma única pessoa para o exercício de seu direito. Entretanto, quando se trata de uma pessoa com deficiência, não basta tratar somente daquela pessoa e sim de todos que estão à sua volta.
“Essas ações de atendimento também efetivam o direito dessas crianças à saúde. A pergunta recorrente, principalmente para quem está em municípios pequenos é: cadê a creche? Onde está o atendimento? É complicado”, acrescenta Peghini.
Outro ponto de atendimento está nas universidades federais, estaduais e particulares, como a Anhanguera, por exemplo. Os chamados hospitais-base geralmente oferecem atendimento com a equipe multidisciplinar correta e apta a diagnosticar o paciente.
Infelizmente, nem todas as pessoas têm o acesso correto, o que leva a nunca ter o diagnóstico ou mesmo tê-lo bem tardiamente. “É comum também que o TEA seja confundido com depressão”, afirma o advogado.
O contraponto do autismo
É importante ressaltar que o autismo não é considerado uma doença. É caracterizado por uma desordem cerebral que interfere no desenvolvimento da pessoa, geralmente em como ela percebe o mundo e interage com outras pessoas.
Os desafios sociais são muitos, em diversos casos. Ao mesmo tempo em que a desordem pode atrapalhar – e muito – a convivência da pessoa com TEA, há também casos de genialidade. “Em alguns casos, a pessoa com TEA se desenvolve para as artes ou para lidar com números, por exemplo”, explica Cesar.
A equipe multidisciplinar, geralmente formada por psicólogos, psiquiatras, neurologistas e, em alguns casos, psicopedagogos, entre outros profissionais, pode auxiliar também nas questões de descobrir e direcionar o portador de TEA.
De acordo com Peghini, toda conduta humana gera uma responsabilidade. Por isso, também é mais do que necessário ficar atento a um diagnóstico errado, por exemplo.
“Erro médico existe e deve ser investigado nas três esferas: criminal – para verificar se houve algum tipo de crime; do ponto de vista da responsabilidade civil – a reparação do dano causado a pessoa que foi levada a um tratamento errado, por exemplo; e também a responsabilidade administrativa – junto ao conselho respectivo (de medicina, de psicologia etc.).
Todo o caminho deve ser feito com muito cuidado para que não haja danos nem ao portador de TEA e tampouco para seus familiares”, explica.
Em casos de erro, o caminho deve ser bastante cauteloso. É necessária a intervenção de um assistente técnico, além de um perito judicial para análise do prontuário de todo o histórico do paciente. Referente à discriminação com pessoas com TEA, o despreparo de instituições é grande.
“O Dia Mundial de Conscientização do Autismo é importante para que a pessoa não tenha seus direitos civis amputados. Essas pessoas portadoras de TEA devem ser vistas como absolutamente capazes e, de acordo com o artigo sexto da constituição, não perdem a capacidade de exercer seus direitos civis”, explica o professor.
No entanto, falta reciclagem de profissionais e treinamento adequado, bem como equipamentos e aprimoramento dos profissionais para lidar com as pessoas portadoras de TEA.
“Isso deve ser fomentado pela administração de academias, escolas e áreas de convivência, como shoppings, supermercados e tantos outros locais”. Para proteger as pessoas portadoras de deficiência, o artigo 88 diz que ao praticar, induzir ou incitar discriminação a algum portador de deficiência, pode haver pena de um a três anos de reclusão.
O que pode cair em uma prova
Segundo o professor, a lei 13146/2005 deve ser estudada por todos os concurseiros. No que se refere à discriminação, por exemplo, o capítulo II (na íntegra, abaixo) aponta a igualdade e a não discriminação como fatores primordiais a serem estudados.
CAPÍTULO II
DA IGUALDADE E DA NÃO DISCRIMINAÇÃO
Art. 4o Toda pessoa com deficiência tem direito à igualdade de oportunidades com as demais pessoas e não sofrerá nenhuma espécie de discriminação.
§ 1o Considera-se discriminação em razão da deficiência toda forma de distinção, restrição ou exclusão, por ação ou omissão, que tenha o propósito ou o efeito de prejudicar, impedir ou anular o reconhecimento ou o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais de pessoa com deficiência, incluindo a recusa de adaptações razoáveis e de fornecimento de tecnologias assistivas. § 2o A pessoa com deficiência não está obrigada à fruição de benefícios decorrentes de ação afirmativa.
Art. 5o A pessoa com deficiência será protegida de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, tortura, crueldade, opressão e tratamento desumano ou degradante. Parágrafo único. Para os fins da proteção mencionada no caput deste artigo, são considerados especialmente vulneráveis a criança, o adolescente, a mulher e o idoso, com deficiência.
Art. 6o A deficiência não afeta a plena capacidade civil da pessoa, inclusive para:
I – casar-se e constituir união estável;
II – exercer direitos sexuais e reprodutivos;
III – exercer o direito de decidir sobre o número de filhos e de ter acesso a informações adequadas sobre reprodução e planejamento familiar;
IV – conservar sua fertilidade, sendo vedada a esterilização compulsória;
V – exercer o direito à família e à convivência familiar e comunitária; e
VI – exercer o direito à guarda, à tutela, à curatela e à adoção, como adotante ou adotando, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas.
Art. 7o É dever de todos comunicar à autoridade competente qualquer forma de ameaça ou de violação aos direitos da pessoa com deficiência.
Parágrafo único. Se, no exercício de suas funções, os juízes e os tribunais tiverem conhecimento de fatos que caracterizem as violações previstas nesta Lei, devem remeter peças ao Ministério Público para as providências cabíveis.
Art. 8o É dever do Estado, da sociedade e da família assegurar à pessoa com deficiência, com prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à sexualidade, à paternidade e à maternidade, à alimentação, à habitação, à educação, à profissionalização, ao trabalho, à previdência social, à habilitação e à reabilitação, ao transporte, à acessibilidade, à cultura, ao desporto, ao turismo, ao lazer, à informação, à comunicação, aos avanços científicos e tecnológicos, à dignidade, ao respeito, à liberdade, à convivência familiar e comunitária, entre outros decorrentes da Constituição Federal, da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo e das leis e de outras normas que garantam seu bem-estar pessoal, social e econômico.
“O que nós temos atualmente é um enorme arcabouço legislativo. Quando falamos de uma pessoa com Transtorno do Espectro Autista, estamos falando de uma pessoa com deficiência”, finaliza o professor.
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